No nível do senso comum, há dois sentidos para a expressão “Educação Integral”: a formação integral da pessoa, em todas as suas dimensões, e a Educação em Tempo Integral. No primeiro caso, há um consenso aparente sobre o fato de que uma tal formação não pressuporia um alongamento da permanência diária na Escola; no segundo, alguma dúvida pode surgir, quanto à conveniência da delegação à Escola do que poderia ser considerada uma tarefa da família. Apenas para alimentar a discussão, registremos que, em seu Artigo 2º, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) afirma que a Educação é um “dever da família e do Estado”, tendo por finalidade “o pleno desenvolvimento do educando”, ou seja, o desenvolvimento integral do educando.

  1. No espaço-tempo da Educação no século XXI, dois registros fundamentais podem ser associados à questão de fundo: do ponto de vista temporal, a perspectiva dominante é a de uma formação continuada, estamos docemente condenados a estudar permanentemente; do ponto de vista espacial, de modo análogo, a perspectiva é a de uma aprendizagem, na feliz expressão de Lúcia Santaella. Aprendemos continuamente, onde quer que estejamos. Em outras palavras, não podemos pretender que apenas no espaço-tempo escolar se dá formação dos jovens estudantes.
  1. Outro ponto crucial para um posicionamento diante da ideia de Educação Integral é a forma de organização da Escola. As aulas constituem o espaço-tempo nobre da Escola, é impossível imaginar uma Escola sem aulas. Mas triste da Escola que se limita exclusivamente a aulas. Espaços e tempos maiores e menores do que o das aulas precisam conviver com elas. Espaços maiores, como filmes, conferências, viagens, projetos, estudos do meio etc. são fundamentais para a criação e a alimentação de centros de interesse, a serem explorados disciplinarmente, disciplinadamente, nas aulas. Espaços menores, como os de tutoria, de orientação, de convivência, de conversas pessoais são imprescindíveis para a depuração de interesses espúrios. Escola Integral somente com aulas? Estou fora…
  1. A ideia de uma Escola Integral também pressupõe uma convivência entre diversos tipos de Escola, não somente no que se refere à diversidade de níveis de ensino, mas também no que tange à permanência integral ou parcial dos alunos. Naturalmente, não é possível vislumbrar a transformação de todas as Escolas ao formato Integral, nem a médio e, talvez, nem a longo prazo. No Estado de São Paulo, no universo de mais de 5 mil Escolas, menos de duas centenas são Integrais, atualmente, o que significa cerca de 8 ou 9h de atividades por dia; no Brasil, mais de 80% das Escolas funcionam em regimes de não mais que 3h por dia.
  1. Um ponto especialmente importante é o desequilíbrio na partilha de funções educacionais entre a família e o Estado, associado às Escolas em tempo integral. Não existe consenso a respeito de tal tema, no espectro político. Em um dos extremos de tal espectro, encontra-se a China, com a responsabilidade pela Educação sendo quase inteiramente do Estado, enquanto no Chile, situado praticamente no outro extremo de tal espectro, cerca de 85% das escolas ocupam os alunos em tempo integral. Há ainda o fato de que outros países, como a França, que relativizaram a presença integral dos alunos na Escola, reservando alguns períodos semanais para a convivência das crianças com a família. E nós, como ficamos?
  1. No que se refere à organização dos trabalhos na Escola, a articulação entre as diversas atividades certamente pressupõe uma Base Nacional Curricular, mas precisa abrir espaços para formações peculiares, em que prevalecem interesses pessoais dos alunos, e depende muito mais do envolvimento e da disponibilidade dos professores, na alimentação dos múltiplos interesses dos alunos. O nomadismo dos alunos é natural, e exige muito dos professores a disposição para não combater os interesses erráticos dos alunos, em busca da paixão maior, norteadora de seus projetos. Não se pode pretender que basta dar aos alunos a possibilidade de escolhas de disciplinas optativas. Na verdade, os alunos tendem a ter trajetórias idiossincráticas, bem distintas das que derivam de um projeto bem delimitado a priori. A condição de trabalho dos professores deve permitir que se consolidem espaços de convivência, de orientação pessoal. Uma gratificação meramente simbólica pode não ser suficiente para garantir o desempenho das funções docentes ampliadas na Escola Integral.

******29-03-2016

No comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *