Gabriel Tarde escreveu em 1901 um livro importante intitulado A opinião e as massas. Gustave Le Bon escreveu em 1895 outro livro precioso intitulado Psicologia das Multidões. Ambos os textos precedem em muito o advento do que hoje se caracteriza como uma sociedade de massas, bem como as tecnologias informáticas que predominam na comunicação com o público, mas são indiscutivelmente premonitórios relativamente aos fenômenos de massificação em sentido político e de imbricação entre os espaços público e privado. Bon pretende que estaria assistindo a um desaparecimento da personalidade consciente, com a emergência de uma “era das multidões”. Tarde resiste a tal ideia, pretendendo que o novo tempo seria a era do público, ou dos públicos, distinguindo vigorosamente o público, ou os públicos, das massas, ou das multidões. Abre-se aí um espaço para uma distinção fecunda e interessante entre o público e a multidão. Examinemos sucintamente – e de passagem – tal distinção. Para Bon, o que caracteriza uma multidão é uma espécie de alma coletiva, que faz com que alguém sinta, pense e proceda de uma maneira diferente daquela pela qual sentiria, pensaria e procederia isoladamente. Registra que as multidões acumulam não a inteligência mas a mediocridade, e que do ponto de vista racional, são sempre inferiores a um homem considerado isoladamente; do ponto de vista dos sentimentos e dos atos, podem ser melhores ou piores. Identifica certas características fundamentais nas multidões, tais como a impulsividade, a instabilidade, a irritabilidade, a sugestibilidade e a credulidade. Já Tarde, ao refletir sobre o mesmo fenômeno social, elabora o conceito de público, ou de públicos, e garante que, da multidão ao público, a distância é imensa. Entende o público como uma coletividade puramente espiritual, como uma disseminação de indivíduos cuja coesão se dá de maneira inteiramente mental. Enquanto a multidão estaria associada às forças da natureza, o público seria tributário da criação da imprensa, da emergência dos meios de comunicação. Enquanto as multidões ou as massas são necessariamente dependentes de um líder ou de um condutor, a influência no nascimento dos públicos estaria associada muito mais fortemente aos chamados “publicistas”, que podem ser jornalistas, radialistas, escritores, artistas, políticos, intelectuais… Os dois livros referidos constituem, até hoje, manuais indispensáveis para os universos da publicidade ou da propaganda. Seriam também fundamentais para uma maior eficácia das ações educacionais. Apesar de, em razão da época em que foram escritos, não tratarem das tecnologias informáticas, ambos apresentam considerações fundamentais para a ultrapassagem de certos dilemas atuais sobre sua onipresença. Voltaremos ao assunto.
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