A vida da gente é como a vida da língua: precisa de ordem, carece de organização. Uma das experiências mais marcantes a esse respeito me ocorreu ao escrever um livrinho para crianças intitulado BICHIONÁRIO, uma espécie de dicionário de bichos. Um bicho para cada letra, de A a Z, com um poeminha para cada bicho, uma ilustração sedutora e uma sugestão de aumentar a lista de bichos, eis o conteúdo. Uma surpresa: em cada visita a uma escola, um presente dos alunos que trabalharam com o livrinho: outro livrinho por eles produzido, chamado de PLANTIONÁRIO, FRUTIONÁRIO, BRINQUEDIONÁRIO etc. Simples assim: uma planta para cada letra, uma fruta para cada letra, um brinquedo para cada letra, e assim por diante. Certamente as crianças se divertiram com os bichos, mas incorporaram tacitamente algo maior: a ordem alfabética. E passaram a utilizá-la para organizar a vida e o mundo. Em geral, associamos automaticamente a ideia de ordem à ordenação numérica, aos números naturais, ao exercício da contagem. A experiência com o BICHIONÁRIO me mostrou que tão simples quanto a ordem numérica é a ordem alfabética, e que, além de tudo, elas se complementam. O alfabeto e os números são os dois sistemas mais elementares de representação e organização da realidade, da vida. São instrumentos que atuam paralelamente no sentido de que apontam na mesma direção, ainda que somente sejam assim considerados no sentido de que nunca se encontram. Seria necessário compreender a razão de tantos alunos, a partir de certa idade, distinguirem com tanta nitidez o que é a língua e o que é a matemática, com ideias preconcebidas e frequentemente preconceituosas em relação à matemática. Evitar que tal separação se inicie pode ser muito mais producente do que tentar consertar a indesejável fragmentação que eclodirá mais adiante.
*********SP 24-11-2016
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