Em matéria jornalística de destaque (Folha de São Paulo, 30/06/2017), o professor e psicólogo americano Oliver P. John proclama que a escola não pode se limitar a lidar com números e livros, que as pessoas é que contam, e que as chamadas “habilidades socioemocionais” deveriam preponderar nas ações educacionais. Por trás do biombo do aparente consenso, algumas dissonâncias fundamentais eivam a argumentação do celebrado educador. Justamente por concordar com a mensagem principal do texto, a lembrança do aforismo nietzscheano, segundo o qual “a maneira mais pérfida de se combater uma causa é defendê-la com um péssimo argumento”, nos leva a explicitar três de tais dissonâncias.
Em primeiro lugar, a concepção de inteligência professada parece um tanto limitada e mesmo extemporânea. Afirma-se literalmente que “Já nos demos conta de que não conseguimos solucionar nossos problemas só com inteligência. QI não é tudo. … A inteligência tem um grande componente biológico, por isso não é a melhor coisa para tentar influenciar na escola. Você quer influenciar o conhecimento e ensinar habilidades socioemocionais.” Nos tempos atuais, associar a inteligência em sentido humano apenas ao famigerado QI, redenominando o que transborda a dimensão biológica é, digamos assim, subestimar nossa inteligência.
Em segundo lugar, as concepções das relações de colaboração entre a família e a escola também nos pareceram simplificadas; interpretadas literalmente, tangenciam o absurdo. A autoridade do pai e da mãe é de natureza distinta da autoridade do professor. A afirmação literal de que “o professor é como outra mãe ou como outro pai para a criança; meus professores mais significativos foram os que me ensinaram coisas que meus pais não sabiam ou não dominavam” ignora solenemente que o foco principal da colaboração escola-família não se situa nos conteúdos específicos, mas sim no que se refere aos valores,
Em terceiro lugar, a exemplificação de como ensinar as “habilidades socioemocionais” na escola por meio de temas de conteúdo matemático beira certa ingenuidade patética: “Por exemplo, o professor de matemática vai ensinar divisão. Em vez de dizer vamos dividir 10 por 4, ele fala que você montou uma banca para vender limonada com quatro amigos (ou seriam três?) e ganhou U$ 10. Depois pergunta como dividir esses U$ 10, que estão em moedas de U$ 0,25, por vocês quatro. Esse é um problema socioemocional, porque você quer que o aluno faça uma divisão justa.” Não é fácil levar a sério tal pretensão de, como direi, socioemocionalização. É muito difícil não lembrar do grande filósofo brasileiro Millor Fernandes, em sua instigante quadrinha: “Tudo aquilo que eu digo/Teria mais solidez/Se, em vem de carioquinha/Eu fosse um velho chinês.” Não seria necessário ir tão longe para nos brindar com tais pérolas epistemológicas.
******SP 30-06-2017
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