1# “O ser do ser humano é pretender ser” (Julián Marías): viver é projetar. A vida é como um jato para frente. Em um projeto há objetivos, antecipações críticas, abertura (risco). Um projeto é sempre pessoal; podemos ter projetos junto com os outros, mas não pelos outros.
2# Projetos: a montante e a jusante. Sonhos, ilusões, utopias, esperança, élan vital…; planejamento, avaliação, trajetórias, árvores; projeto/trajeto.
3# Sem ilusão não se vive; só de ilusão também não; o segredo da vida é o tamanho da ilusão.
4# Por que continuar a jogar/projetar? Qual o sentido de tudo isso? Qual o significado de tudo isso? Só existem respostas pessoais.
5# O significado é comunicável; o sentido é pessoal; Vygotsky e Vitor Frankl dão consistência a tal distinção.
6# Toda perda de sentido é sempre pessoal; o sentido deve, então, ser buscado a partir do interior de cada um de nós; mesmo quando tudo para nós perde o sentido, fora de nós tudo segue igual.
7# Apesar de o sentido ser buscado a partir do interior de cada um de nós, ele deve ser encontrado no mundo; nós não o inventamos, mas o descobrimos.
8# Uma pessoa é um complexo feixe de papéis que desempenha; sua identidade reside nessa complexidade.
9# Mesmo mudando a cada dia, uma pessoa é sempre a mesma: Ricoeur e a distinção entre mesmidade e ipseidade.
10# Há em cada pessoa um núcleo fundamental em que ela é a maior autoridade sobre si mesma; mexer nesse núcleo é violentar a pessoa. Tal é o “fundo insubornável” de que falou Ortega y Gasset.
11# Caracterizar uma pessoa unidimensionalmente, recorrendo a apenas um dos inúmeros papéis que representa é a fonte de toda a violência no mundo (Amartya Sen).
12# O sentido da vida é sempre pessoal, sempre decorre de uma decisão pessoal. Ele deriva de nosso “fundo insubornável” e não de algo que se situa fora de cada um de nós. Encontramo-lo fora como reflexo de um jato que parte do âmago de nosso ser.
13# Objetivamente, objetivadamente, não existe sentido na realidade concreta; Gödel, Tarski, Popper de alguma forma remetem a busca de sentido ao infinito, à transcendência.
14# Pessoalidade pressupõe valores absolutos, pressupõe fé; existe o bom, o belo, o verdadeiro, e ponto final.
15# Sem um quadro de valores, a pessoalidade desvia-se para o individualismo, a hipocrisia, a mediocridade, a violência.
16# Fé em quê? Em que há o bom, o belo, o verdadeiro; fé na justiça.
17# Se Deus não existe, tudo é permitido? Não. Se não existe a justiça, então tudo é permitido.
18# A justiça existe. Ponto final. Isso é Fé.
19# Ao jogar uma moeda, digamos, 4 vezes, são 16 as possibilidades de resultado: 0000, 0001, 0010, 0100, 1000, 0011, 0110, 1100, 0101, 1010, 1001, 0111, 1011, 1101, 1110, 1111; qualquer das possibilidades de ocorrência parece igualmente motivada ou imotivada… Jogando n vezes a moeda, o número de possibilidades é 2n; qualquer um dos resultados possíveis parecerá igualmente motivado ou imotivado…
20# Somente pensando-se em um número infinito de lançamentos é que podemos confiar na justeza dos resultados, na “justiça” da ocorrência equitativa de zeros e uns.
21# Somente apostando no infinito, podemos alcançar a “justiça”, vendo sentido nos lançamentos; o sentido exige o infinito.
22# A justiça somente circunstancialmente é, pois, passível de uma realização local: jogamos 10 vezes e deu exatamente 5 caras e 5 coroas…
23# A vida de um ser humano tem uma duração finita; sempre estará aberta a possibilidade da “injustiça”.Todo balanço vital é local, é finito.
24# A garantia da justiça exige a perspectiva do infinito, da eternidade. A percepção do sentido exige a transcendência.
25# Espíritas e budistas buscam na reencarnação, no karma, a solução para a compreensão das injustiças locais, para a manutenção da fé na justiça.
26# A busca da justiça em pequenos intervalos de tempo pode conduzir a desvios apaixonados, fontes de injustiça. Dizia Ana da Áustria: “Deus não paga semanalmente; mas paga.” Isso é fé na justiça.
27# Em Utopia, Thomas More registra que “os utopianos concordam num ponto: existe um ser supremo, um magistrado para todas as questões, designado por Mitra; o que cada um considera seu Mitra é uma questão absolutamente pessoal; não são considerados humanos, no entanto, os que duvidam dessas verdades, o que rebaixaria a condição humana à de mero animal…” Isso é fé na justiça.
28# Em Hermann Hesse, encontramos: “A fé, como eu a entendo, não é fácil de traduzir em palavras. Talvez possa ser assim expressa: Creio que, apesar do seu absurdo patente, a vida ainda assim tem um sentido; eu me resigno a não poder perceber este sentido com a razão , mas estou pronto a servi-lo, mesmo que para tal tenha que me sacrificar. A voz desse sentido, ouço-a em mim mesmo, nos instantes em que estou completa e verdadeiramente vivo e alerta.”. Isso é fé na justiça.
29# Somente as idéias de infinito e transcendência podem nos garantir a fé, a confiança na justiça.
30# Somente o reconhecimento de valores como o bem, o belo, o verdadeiro pode dar relevância aos nossos mais caros projetos; somente a fé na justiça pode garantir a lisura do jogo, dando à vida um sentido pessoal, que é nosso bem mais precioso.
**** SP 24-09-2017
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