Diz-se que “enquanto há vida, há esperança” mas o oposto parece-me mais próximo da realidade: “enquanto há esperança, há vida”. Há espaço, no entanto, para uma troca de opiniões. Como se sabe, foi ira de Zeus com Prometeo, que havia revelado o fogo, atributo primordial dos deuses, aos homens, que o fez criar Pandora, a primeira mulher. Ela recebeu das mãos de Zeus uma caixa (mais precisamente, teria sido um vaso) dentro da qual encontravam-se reunidos e acomodados os grandes males da humanidade. Uma curiosidade excessiva, como a que cometera Prometeo, levaria Pandora a mexer em tal caixa; o castigo correspondente seria a liberação dos males. O esperado desfecho prefigurado por Zeus efetivamente teria ocorrido, perturbando, daí para diante, a vida dos homens. A esperança, no entanto, teria sido a última a sair da caixa, o que teria conduzido ao dito frequente: “a esperança é a última que morre”. Um fato, no entanto, parece surpreendente nessa narrativa mítica: a esperança é um dos males que afetam a humanidade? Não seria o oposto, a esperança não seria um bem que alimenta a vida? Afinal, tanto quando se afirma que “enquanto há vida, há esperança”, quanto quando se afirma que “enquanto há esperança, há vida”, a conotação positiva da esperança é preponderante. De onde derivaria a ideia de que a esperança pode ser um mal? Para aliviar tal aparente impasse, basta recorrer à duvidosa afirmação “quem espera sempre alcança”. Existe uma diferença semântica fundamental entre as ideias de espera e de esperança. Se a espera tangencia regiões onde reina a passividade, a esperança em sentido próprio associa-se a ações realizadas de modo inspirado, esperançoso. Em belo livro, fundamentado na experiência médica de uma longa e competente vida profissional, o médico e filósofo espanhol Pedro Laín Entralgo debruça-se sobre tal tema. O título do livro é La espera y l a esperanza (Madrid, Alianza, 1984). De modo simples e direto, Entralgo resume: quando participamos de um projeto, quando solidariamente planejamos, quando fazemos a nossa parte, é legítimo, a partir daí, humildemente esperar, ou conscientemente ter esperança. Não se pode dizer o mesmo de uma espera não comprometida, baseada apenas na eficácia da lenda “quem espera sempre alcança”. Nas síntese cirúrgica do filósofo médico, a esperança é uma espera grávida. Na gravidez, como na vida, precisamos fazer a nossa parte.
******** 30-10-2017
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