A decomposição de uma tarefa complexa em uma série de tarefas simples, ordenadas sequencialmente de modo a possibilitar a realização da mesma passo a passo, por meio de ações diretas, que não comportam ambiguidades, constitui a essência da ideia de algoritmo.

Os algoritmos estão presentes em praticamente todas as ações diárias que realizamos, do laço no sapato ao nó na gravata, da preparação de um simples café à realização de uma sofisticada receita culinária. No dia-a-dia, utilizamos rotinas pré-estabelecidas para fazer funcionar nossos eletrodomésticos, sobretudo o mais famoso e influente dentre eles – o computador. Na escola, recorremos a algoritmos para efetuar operações aritméticas, bem como para a realização de outras tarefas mais complexas, decomponíveis numa seqüência de passos simples, ou seja, algoritmizáveis.

Naturalmente, nem tudo o que fazemos, na vida ou na escola, é passível de uma algoritmização. Não recorremos a algoritmos para namorar, para pautar nosso senso estético, para projetar nosso futuro. E a maior parte dos problemas escolares não se submete a processos rotineiros de solução, conduzindo a algoritmos que parecem muito distantes das almejadas soluções criativas.

Aí precisamente se inicia uma controvérsia famosa, um mal-entendido fundamental: Os algoritmos realmente limitam as possibilidades de criação, ou podem até mesmo ampliá-las? Seguir algoritmos libera a mente de tarefas padronizáveis ou tende a embotar a originalidade e a criação? Se uma criança aprende um algoritmo para realizar determinada operação, ela perde a oportunidade de construir seu próprio caminho para realizá-la ou ela enriquece seu repertório?

Repetir ou inovar; copiar ou produzir o que antes não existia; submeter-se a uma autoridade ou tornar-se um autor: eis aí pares de ações de aparência antagônica, mas que, na verdade, constituem elementos complementares nas gramáticas e nas dinâmicas da criação.

Quem decide aprender a tocar um instrumento musical, descobre o quanto é necessário repetir, copiar, obedecer a regras, no caminho para a construção de uma competência técnica, que abre as possibilidades para a criação. Na aprendizagem da escrita, na formação do autor, a prática da cópia e a existência de modelos a serem imitados constituem, quase sempre, andaimes fundamentais para o desenvolvimento pessoal, para a constituição de uma autêntica autoria.

Os algoritmos são da ordem dos meios, são técnicas que não podem ser desvinculadas dos significados das ações envolvidas, e muito freqüentemente podem situar-se no vestíbulo da plena consciência dos modos de produção que possibilitam  as ações criativas. O caminho mais comum na trajetória de um artesão é o que conduz da imitação pura e simples à imaginação criadora.

Adentrando mais decididamente o terreno das envolventes tecnologias informáticas, encontramos nos computadores argumentos decisivos para a percepção de uma real complementaridade entre elementos rotineiros e criativos nas ações humanas, em todos os contextos. De fato, nenhum instrumento utilizado pelo homem é mais dependente de processos algorítmicos, em todas as etapas de sua construção e de seu funcionamento, do que um computador. Tal aparato tecnológico tem propiciado continuamente, no entanto, uma amplificação das possibilidades de criação, em praticamente todas as esferas da atividade humana. Os softwares de simulação, objetos tipicamente algorítmicos, constituem um recurso quase indispensável a todos os que projetam, em sua ação criadora. E a utilização cada vez mais intensa da rede mundial de computadores constitui um atestado eloqüente de como procedimentos meramente algorítmicos podem conduzir a uma abertura de possibilidades e a um enriquecimento dos meios disponíveis para alimentar os processos criativos de um modo absolutamente inimaginável há apenas um par de décadas.

Na construção de seus modos pessoais de raciocínio, a criança também precisa continuamente obedecer a regras, imitar pessoas, seguir procedimentos padronizados, ou seja, a lidar com algoritmos, e isso não pode ser considerado um obstáculo ao desenvolvimento de sua criatividade. Tal associação somente pode decorrer de uma idealização do ato da criação, associando-o a inspirações ou iluminações mágicas que dispensariam uma laboriosa e muitas vezes insípida repetição/transpiração. Mas a criação nem sempre emerge de uma tal ausência de constrangimentos, em uma situação de liberdade absoluta. O verdadeiro criador é sujeito de múltiplas limitações, advindas da contingência dos materiais, das exigências das técnicas, das restrições do tempo e do espaço; nas palavras do poeta Octavio Paz, “toda liberdade consiste na escolha da necessidade”.

No mesmo sentido também aponta o poeta Manoel de Barros, com sua lira vibrante, contundente, original, densamente criativa, ao traduzir sua poética em dois versos magistrais:

“Repetir repetir – até fazer diferente.

Repetir é um dom do estilo.”

E em matéria de criação, se o poeta falou, está falado.

**** SP09022018

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