Precisamos de razões para nos emocionar ou pressentimos as emoções, que serão compreendidas posteriormente? Um livro recente da neurocientista Lisa Feldman (How emotions are made, Houghton Mifflin Harcourt, 2017) reaviva tal questão, que certamente não é nova. Descartes e Pascal estiveram no centro desse debate: a máxima pascalina “o coração tem razões que a própria razão desconhece” é um registro explícito de tal querela. Há mais de vinte anos, Antonio Damásio já retomara tal temática, com um livro seminal (O erro de Descartes, Cia das Letras, 1996) em que põe ênfase na impossibilidade da separação entre razão e sentimento. É de Damásio a proposta de maior nitidez na distinção entre emoção e sentimento, caracterizando as emoções como formas de manifestação de sentimentos. O amor é um sentimento, que se pode expressar de diversas formas, por meio das emoções. Em tal expressão, são múltiplas as formas de se emocionar, das mais discretas às mais efusivas. As emoções situar-se-iam, então, na periferia dos sentimentos, mais profundos. O cerne da distinção e o foco das atenções estariam concentrados, portanto, na colaboração necessária entre razão e sentimento; as emoções viriam a reboque. Ocorre, no entanto, um duplo complicador para tal questão: a razão pode extrapolar seus âmbitos e derrapar no preconceito, e as emoções podem se deixar contaminar pelo mero irracionalismo. A neurociência tem dedicado muito esforço na busca de elementos para introduzir uma pitada de razão na manifestação das emoções. As pesquisas que compõem o núcleo principal dos estudos buscam estabelecer correlações entre a ativação de circuitos neurais específicos e a manifestação de determinadas emoções. Correlações, no entanto, não podem ser associadas a causalidades. Certamente estamos bem longe de poder concluir que são as ativações nos neurônios que provocam as emoções, ou, pelo contrário, que seriam as emoções, sentidas a priori, que causariam as ativações dos circuitos. Enquanto as correntes principais da neurociência situam-se mais próximas da causação das emoções a partir da criação de sinapses, os trabalhos de Feldman apontam no sentido contrário, sugerindo um modelo top down, ou seja, o cérebro classificaria a priori emoções, tanto positivas quanto negativas, sendo conduzido, a partir daí, ao estabelecimento das conexões neurais. Isso soa muito parecido com o estabelecimento da prioridade na relação entre o ovo e a galinha. A despeito de alguns inegáveis resultados empíricos, a neurociência parece ser vítima de acessos de hybris, correndo o risco de derrapar na mesma casca de banana da fé: afinal, é preciso ver para crer, ou crer para ver?

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