CUIDADOS
I
Cuidar para que os OLHOS
Não se acostumem à escuridão
Não se fechem e não fujam
E sobretudo não avistem
Sem enxergar
II
Cuidar para que as MÃOS
Não se fechem, tensas, rijas
Nem na posse, nem na ira
Não apontem, não apertem
Exceto as mãos
III
Cuidar para que a PELE
Não se guarde para o sol
Nem se transforme em couraça
Não distinga, não se ligue
Ao arco-íris
IV
Cuidar para que o SORRISO
Não seja tático, nem enigmático
Não revele dentes cerrados
Nem esteja sobrecarregando
Um músculo sequer
V
Cuidar para que as PALAVRAS
Não escondam, nem revelem
O que não foi procurado
Não encerrem julgamentos
Nem discussões
VI
Cuidar para que o OUTRO
Não atice meu inferno
Nem alivie minha culpa
Não me permita ser mais
Do que eu mesmo
VII
Cuidar para que o NOVO
Não se arvore em valor
Nem negue o velho em seu ventre
Tal como a ave nascente
Não nega o ovo
VIII
Cuidar para que a VERDADE
Não se afaste do argumento
Nem confunda a noite e o dia
Não prescinda do mistério
Nem da poesia
IX
Cuidar para que o FATO
Não fomente a arrogância
Nem atropele o fito
Não contraponha o lirismo
Ao fatalismo
X
Cuidar para que os CUIDADOS
Não detenham a nau no porto
Não mutilem, não violem
Não censurem, nem provoquem
Um só aborto
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