Uma das palavras cujo uso se aproxima de um abuso é “conceito”. Na linguagem corrente, frequentemente identifica-se com palavras como “ideia”, “noção”, “significado”. No discurso educacional, são fartos os registros da busca do ensino de conceitos para alunos da escola básica, ou mesmo para crianças. Na realidade, no entanto, vivemos na antessala dos conceitos. Ensinamos às crianças noções fundamentais de muitos temas importantes para a vida, sem a pretensão, no entanto, de uma apresentação conceitual em sentido filosófico. Podemos falar sobre a vida, o ser humano, a verdade, ou o tempo, mas não lidamos ordinariamente com o conceito de vida, o conceito de ser humano, o conceito de verdade, o conceito de tempo, e isto não nos faz falta. A ideia que temos de tais noções nos parece suficiente. Uma reflexão mais funda sobre tais conceitos parece ser da responsabilidade dos filósofos. Há até os que pretendem que a centralidade das atenções no ensino de conceitos seria o objeto específico da Filosofia. Os conteúdos que usualmente ensinamos, no âmbito das diversas disciplinas, seriam constituídos essencialmente de noções, de ideias, de significados. Imprescindível a todas as disciplinas seria o significado do que se ensina, mas nem sempre dizer “significado” quer dizer “conceito”.
Uma palavra que pode servir de ponte entre uma abordagem conceitual de um tema e outra, aparentemente anárquica, dos significados, é a ideia de esquema. Um esquema é uma unidade de ação ou representação, na construção dos significados. Piaget explorou de modo especialmente fecundo os esquemas das crianças, nas fases iniciais da aprendizagem. Partindo de esquemas simples, como os de preensão ou de sucção, avançou até os esquemas sensório-motores, como unidades de ação, avançando, a partir daí, numa sequência de estágios pré-operatórios e concretamente operatórios, até o período das operações formais, na antessala dos conceitos. Peirce explorou a noção de hábito, que apresenta uma conexão direta com a ideia de esquema, mas foi a dupla de pesquisadores Arbib e Hesse, em um livro fundamental intitulado The construction ou reality (1986) que produziu uma síntese exploratória brilhante da ideia de esquema, um material especialmente valioso na constituição da dignidade e da relevância que, a nosso ver, tal ideia merece ter.
Partindo das ideias de Piaget, os referidos pesquisadores deslocaram o foco das atenções para a aprendizagem da língua, passando suavemente dos esquemas sensório-motores à palavra como unidade de ação/significação, ou seja, como um esquema. A viagem prosseguiu, sempre de maneira gradual e compreensiva, passando-se da palavra às metáforas como germes de esquemas, daí às micro-narrativas, às narrativas, até a ideia da língua como um grande esquema simbólico. Um percurso paralelo especialmente importante ao longo do livro é o que explora as ideologias e as religiões como macro-esquemas como macro esquemas de ação.
Um fato notável a quem tem olhos para ver: o livro de Arbib e Hesse apresenta uma densidade filosófica indiscutível, sem recorrer, em qualquer momento, à palavra “conceito”.
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