A pior mentira não é a negação da verdade, é a quase verdade. O poeta Antonio Machado já nos alertara a respeito, em seu poema/aforismo Dijiste media verdade? / Dirán que mientes dos veces / si dices la otra mitad, Em outras palavras, a metade da verdade é uma mentira em dobro. A atualidade do tema revela-se na tentativa de caracterização das Fake News. A estratégia mais frequente não é a pura e simples negação da verdade, mas a apresentação de uma fração da verdade, temperada por uma porção de mentira. A adesão à inteira versão mentirosa é facilitada pela sintonia com a inegável fração da verdade. Uma história notoriamente falsa, inteiramente inventada, causa, em geral, menos estrago do que uma pequena dose de mentira, diluída em um copo de verdadeira água de coco. O convencimento se dá pela sedução quase automática provocada pela fracionária verdade, e é aí que mora o perigo.
Uma situação psicologicamente simétrica ocorre quando uma indiscutível verdade é apresentada de modo enfático, um tanto exagerado, por meio de uma sedutora caricatura. Evidentemente, a caricatura representa e explora um excesso retórico, não sendo literalmente verdadeira. Uma reação natural ao exagero do caricatural pode enfraquecer a apresentação da verdade que a caricatura representa. A fração mentira, nesse caso, pode enfraquecer a totalidade da mensagem verdadeira.
O matemático Keith Devlin oferece uma abordagem teórica interessante para a exploração de tal temática em seu inspirado livro Logic and Information. Como se sabe, para se medir a quantidade de informação de uma mensagem, a Teoria Clássica da Informação recorre ao bit. A quantidade de informação de uma mensagem que é uma em duas possíveis, igualmente prováveis, é 1 bit; com apenas uma pergunta do tipo Sim ou Não a mensagem de tal repertório restrito seria identificada. Em um repertório mais rico, composto por 4 mensagens igualmente prováveis, cada uma delas tem 2 bits de informação, o que significa que precisaríamos de duas perguntas do tipo Sim ou Não para identificar uma mensagem qualquer. Em um repertório com 8 mensagens equiprováveis, cada uma delas teria 3 bits de informação, e assim por diante. De modo geral, quanto mais rara é uma mensagem, mais bits ela contabiliza. Se um cachorro morde um professor, a quantidade de informação de tal mensagem é muito menor do que a de uma outra, que registra que um professor morde um cachorro…
Devlin critica esta contabilidade da quantidade de informação de uma mensagem que leva em consideração apenas a frequência de ocorrência das mensagens, sem referência ao conteúdo do que se afirma. Para corrigir tal deficiência da Teoria Clássica, ele introduz a ideia de infon. Um infon seria um bit enraizado em um contexto. A pergunta “Chove ou não chove?”, abstratamente considerada, teria como resposta uma mensagem de 1 bit. Mas concretamente considerada, ou seja, entranhada em um necessário contexto, a pergunta conduziria a outras: “Chove ou não chove onde? em que dia? em que horário?…”, e assim por diante. O que é chamado de contexto é um conjunto ordenado de elementos informacionais que dão significado à questão inicial; sem eles, uma resposta do tipo Sim ou Não parece desprovida de sentido.
No caso das Fake News, a estratégia recorrente dos que as exploram é apontar para o núcleo Sim ou Não, Verdadeiro ou Falso do que afirmam, tendo como base contextos parciais, às vezes quase verdadeiros, mas incluindo frações de sedutoras mentiras. Com a ajuda de opiniões preconceituais deliberadamente preconceituosas, o cenário torna-se propício para a transformação de milionésimas mentiras em putativas verdades.
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