Há um texto de Jorge Luís Borges em que se apresenta um lugar especial, denominado Aleph, situado no sótão de uma casa sombria, de onde todos os lugares do mundo poderiam ser vistos de uma só vez, em todas as perspectivas e sob todos os pontos de vista possíveis. A singularidade de tal local traduziria a expectativa utópica de uma visão totalizadora do mundo, de onde poderia advir uma compreensão mais adequada do outro, uma partilha instantânea, fraterna e generosa de pontos de vista. Diversas variações místicas na concepção de um lugar como o Aleph podem ter levado alguns autores a distorções ou apequenamentos de tal constructo, mas a ficção de Borges é ímpar, e continua, sem dúvida, fascinante e inspiradora, especialmente no que tange à caracterização de um espaço social tão impregnado de tecnologias.

Alguns roteiros cinematográficos têm-se inspirado em questões similares no que se refere ao tempo, oferecendo uma perspectiva integrada da tripartição passado, presente e futuro. Um exemplo interessante é a série espanhola intitulada Ministério do Tempo, que apresenta situações em que personagens do presente podem conviver com outros do passado, por meio de portas de acesso a outros universos temporais. O vigilante Ministério do Tempo seria uma instituição governamental criada com a finalidade específica de enviar pessoas para outros tempos e lugares, tendo em vista evitar desvios, ou ocorrências fortuitas que comprometeriam o futuro; no caso, o futuro do passado, que é o presente. A dissolução da tripartição passado / presente / futuro corresponderia a uma compreensão do tempo numa perspectiva de Eternidade.

As duas situações apresentadas congeminam-se perfeitamente: a eternidade está para o tempo assim como o Aleph está para o espaço.

Um passo modesto mas extremamente fecundo no sentido da construção de uma visão integradora do espaço, do tempo, do espaço/tempo,  é a ideia de Fusão de Horizontes, da lavra de Gadamer, em sua densa obra Verdade e Método. Segundo Gadamer, o conhecimento sempre se constrói a partir de visões/percepções pessoais, idiossincráticas. Duas pessoas diferentes assistem ao mesmo filme e apresentam visões distintas, compreensões diversas; isso pode ser muito bom, mas é preciso cuidar dos horizontes diversos em que tais visões se inserem. Não se trata de unificar as visões, de buscar uma perspectiva única;  a questão que se põe é a de construir dialogicamente, argumentativamente, narrativamente, uma única linha de horizonte, na qual as duas visões se inserem. As visões/perspectivas continuarão distintas, mas somente  a construção de um horizonte comum viabiliza a vida numa sociedade democrática.

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