Os tempos parecem bicudos para quem curte algum tipo de conservação. O rótulo de “conservador” apresenta-se quase sempre com uma conotação negativa. Seja lá o que signifique, a palavra “inovação” tem muito mais charme. Consertar o que se quebra seduz muito menos. As ideias de “conserto” e de “remendo”, de improviso, aproximam-se perigosamente, em detrimento da primeira. A impressão forte é a de que o novo é sempre melhor que o velho.

Em tal cenário, é auspiciosa a matéria publicada na revista The Economist e replicada no jornal O Estado de São Paulo (21-10-2018), intitulada Consertar é tão importante quanto inovar. Apenas um dado apresentado na referida matéria já justificaria toda a atenção à questão em destaque: as empresas canadenses gastaram em 2016 3,3% do PIB com reparos e consertos, mais do que duas vezes o montante gasto pelo país em pesquisa e desenvolvimento.

Não se trata aqui, naturalmente, de se subestimar a importância da inovação, da criação na produção científica e nos processos produtivos de modo geral. O fato crucial para o qual se chama a atenção é o elogio compulsivo do consumismo irresponsável, com o crescimento de um desperdício absolutamente insustentável. Quando se trata de recursos materiais limitados, que não podem ser produzidos livremente como mercadorias em sentido industrial, como é o caso da água que bebemos ou do ar que respiramos, o desperdício é um crime a ser combatido. No entanto, mesmo quando a escassez não está em cena, o desperdício é sempre indesejável. O descarte inconsequente do velho tem como fundamento apenas o suposto postulado de que “o novo é sempre melhor que o velho”, uma asserção que não é legitimada sequer no âmbito da tecnologia.

Um aspecto especialmente importante é o do descarte das relações pessoais, que são continuamente construídas e desprezadas nos efêmeros links estabelecidos nas redes sociais. Amizades não podem ser descartadas ao menor sinal de ruído nas relações. Discordâncias podem ser consertadas em conversas. Sem confusão, pontos de vista distintos podem ser referidos a um mesmo sistema de referência: horizontes diversos podem ser fundidos.

No que se refere à saúde do corpo afetado pela doença, o conserto tem um nome mais simpático, com conotação positiva: é a busca da cura. Nem sempre conseguimos, mas sempre buscamos, e a perspectiva consumista de comprar um corpo novo ainda não foi seriamente aventada pelos louvadores acríticos da inovação.

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