Os jornais estamparam manchetes insólitas: “Fezes viram problema ambiental no Everest” (FSP, 2/11/2018). Subitamente, os dejetos deixados pelos alpinistas no local desde 1953, quando o Monte Everest foi pela primeira vez escalado, tornou-se um problema efetivo. Os dejetos não se decompõem na neve, e sua caprichosa conservação provocou medidas de proteção ao meio ambiente. O governo do Nepal passou a obrigar cada alpinista a apresentar na volta de sua empreitada, bem ou mal- sucedida, que pode durar de 6 a 8 semanas, um montante de 8 kg de fezes. Uma multa de US$ 4000 passou a punir, desde 2014, quem descumpre a regra.

Apesar de inusitada, a questão que está em jogo é simples; simples, mas crucial. A Terra é nosso lar comum e somos responsáveis pelos nossos atos. O que surpreende é o fato de precisarmos ir até o Everest para nos conscientizar de nossa responsabilidade com relação aos efeitos dos dejetos que continuamente produzimos. O não equacionamento do saneamento básico é a causa de doenças e mortes em muitos países, inclusive no Brasil. O montante de indivíduos que escalaram – ou tentaram escalar – o Everest desde 1953 é o de alguns milhares de indivíduos.  Em termos estatísticos, a influência global dos excrementos dos alpinistas é menos importante do que a obrigação dos donos de animais de recolher as fezes de seus estimados bichinhos. Os problemas de saúde e as mortes de dezenas de milhões de pessoas atingidas pela carência de saneamento básico são muito mais graves. A maior lição a ser aprendida com a manchete do Everest não é, no entanto, de natureza estatística, mas sim de natureza simbólica. É necessário assumir a responsabilidade pelo que excretamos, tanto do ponto de vista biológico, quanto no que se refere a outros tipos de excrementos, como alguns textos – ou quase isso – postos em circulação nas redes sociais, e eufemisticamente rotulados de Fake News. O simbolismo do Everest representa uma contribuição fundamental para a tomada de consciência de tal responsabilidade, antes que o Everest – e as redes sociais – se tornem montes de excrementos.

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