A recomendação é de Ortega y Gasset: nas séries iniciais da educação básica, as crianças devem ser tratadas como se fossem seres unicelulares, como as amebas… Nada há de estranho ou misterioso em tal comparação. Nos primeiros anos escolares, a criança é um ser uno, indivisível, não especializado, potencialmente capaz de interessar-se por múltiplos temas. Ainda não tem órgãos diferenciados, como pernas ou braços, a reclamarem treinamentos específicos. São seres inteiros, íntegros e integrados, e, como as amebas, tecnicamente chamadas de pseudópodes, constituem falsos pés, convenientes para se locomoverem, na realização das tarefas correspondentes às necessidades vitais. Apenas com a continuidade dos anos de formação vão se diferenciando órgãos com finalidades mais bem delimitadas, e à educação cabe provê-los de exercícios específicos.

Essa característica fundamental das amebas, que se adapta e se conforma às exigências do meio, mantendo, no entanto, sua inteireza e sua integridade como um ser elementar, já foi associada ao modo como os produtores de novelas constroem seus roteiros. Oscilações nas características dos personagens funcionam, muitas vezes, como recursos ad hoc para agradar ao público. O bem ou o mal adquirem, muitas vezes, uma pseudo forma provisória, que pode ser descartada após a conquista da audiência.

É no terreno filosófico, no entanto, que as amebas podem constituir um fecundo repertório de alegorias iluminadoras, particularmente no que tange à questão da imortalidade. Como se sabe, a forma fundamental de reprodução da ameba é a assexuada; após um ciclo de vida, a célula se subdivide, dando origem a duas células-filhas, com a mesma informação genética da célula-mãe. Não existe uma morte em sentido humano: o processo de bipartição é permanente, e continua com as células-filhas. Cada ameba é um elo de uma rede de relações que representa uma espécie de imortalidade…

Na tentativa de caracterização do sentido da vida, os seres humanos buscam permanentemente algum tipo de imortalidade. Os filhos constituem certo tipo de permanência dos pais, ainda que a transferência genética seja muito mais limitada que a das amebas. Mas a permanência mais efetiva, mais consistente, mais valiosa em termos humanos é a que se dá por meio das obras que realizamos. Naturalmente, o que entendemos aqui por  “obra”  tem um sentido amplo, que vai das ações ordinárias, que integram o fazer e a palavra, o sentimento e o gesto, a simpatia e o respeito, na construção dos liames sociais, até o que objetivamente produzimos, nas manifestações artísticas ou culturais, como o pensamento que se materializa em um livro, ou em outra forma de codificação.

Não sobrevivemos, então, biologicamente, como as amebas, mas sim por meio do que deixamos na mente e no coração dos entes queridos que por aqui vão ficando. É verdade que nossa eternidade é permanente enquanto dura, como já nos lembrou o poeta, mas, afinal, viver para sempre não é importante: a vida é durante.

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