Deu no jornal: ex-coordenadora de Educação Infantil do Ministério da Educação afirmou que “não existe aprendizagem sem ação, sem que, desde bebês, haja uma crença pelo professor e pelo adulto de referência de que o bebê deve ser protagonista” nas ações educacionais. (FSP, 12-1-2019).
Duas vias de interpretação, então, se abrem: ou se está utilizando um juízo aligeirado da ideia de protagonismo, pretendendo-se apenas reforçar o senso comum de que a formação da criança é o mais importante na Educação Infantil, ou se está atribuindo o efetivo papel de protagonista, de ator principal, de liderança nas ações a quem se encontra na fase mais nítida da heteronomia, na porta de entrada do longo caminho da construção da autonomia, que nem de longe se completa na faixa etária considerada.
A primeira via dispensa análises mais alongadas, registrando-se apenas o caráter indesejável do esvaziamento no significado de certas noções importantes, que não deveriam ser banalizadas. O discurso sedutor do protagonismo geral, de que todos devem ser protagonistas pode ser associado a um desvio de natureza lógica: numa peça em que todos os atores são protagonistas, então ninguém efetivamente o é. Desde criança, na representação de papéis que nos caracterizam, nem sempre somos protagonistas, muitas vezes somos coadjuvantes, ou mesmo figurantes. Somente somos considerados sempre protagonistas pela nossa mãe… dependendo um pouco de nós, e dela… Uma pessoa bem formada aprende a representar bem todos os papéis que lhe cabem. A propósito, existem prêmios de desempenho para atores coadjuvantes.
A segunda via, no entanto, requer uma análise um pouco mais detida. É fato amplamente conhecido que a criança não nasce consciente de suas ações. Nos bebês, o ponto de partida educacional é a anomia, ou a ausência de nomos, de regras. A realização imediata de suas vontades é o modo natural de proceder dos bebês, se forem abandonados à própria sorte. Também naturalmente, o objetivo maior do processo educacional é a progressiva construção da consciência, que é como uma meta vontade, ou uma vontade de ter certas vontades e não outras. O que se busca de fato é a construção da autonomia, associada ao discernimento entre o que se pode e o que não se pode fazer, o que se dá por meio da assimilação de uma arquitetura de valores que orientem a vida em sociedade.
Também é amplamente conhecido e aceito o fato de que a construção da consciência não se dá de modo natural, por mera maturação: é fundamental a heteronomia, ou seja, a obediência a regras propostas pelos outros, no caminho para a construção da autonomia. Sem meias palavras: não se pula diretamente da etapa da anomia, ponto de partida de todos os seres humanos, ao estágio desejável do discernimento, da autonomia, sem a etapa da vivência da heteronomia, e a Educação Infantil seguramente situa-se em tal etapa. Não é o caso, portanto, de dar autonomia aos bebês, torná-los autônomos antem do tempo devido: na Educação Infantil, os protagonistas são, efetivamente, os professores.
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