Deu no jornal: Cientistas criam leveduras que comem lixo e produzem perfume (FSP, 17/4/2017). Trata-se de uma manchete e tanto, digna das mais sonhadoras expectativas de reciclagem de materiais. Mas pode não passar de mera propaganda enganosa. De fato, o complexo mecanismo descrito revela apenas a possibilidade real de multiplicação do que resta do DNA de plantas como as orquídeas, extraído em laboratório. Como em praticamente todas as operações envolvendo o DNA, uma espécie de “tesoura molecular” corta a maior parte do genoma, que é descartada como se fosse junk, uma espécie de lixo genético. A ciência oficial acredita que tal material nada tem de essencial; toda a “receita” para a produção do perfume estaria associada apenas à pequena porção de DNA retido e valorizado. Trata-se de um ato de fé: o lixo genético, o junk não serve para coisa alguma. Pode ser que sim. Pode ser que não. No caso do genoma humano, por exemplo, já se percebeu que o lixo genético não é tão lixo assim. Ele é que pode nos diferenciar de outros seres vivos. Do ponto de vista apenas do material considerado valioso, nós não nos diferenciamos significativamente de um gorila, ou mesmo de uma lesma. Deixemos, no entanto, tais considerações de lado e continuemos a examinar o trabalho anunciado pelos cientistas. Em certo sentido, ele parece com uma brincadeira; em outros pontos de vista, pode assemelhar-se a um milagre. Uma brincadeira gratuita, movida pela vontade de conhecer, de decifrar os segredos da natureza; ou a revelação ao ser humano dos meandros de um milagre da criação? Seja como for, brincadeira ou milagre, a ação dos cientistas é tudo, menos de graça. Segundo um dos cientistas responsáveis pela pesquisa, o lucro que se pode extrair de tais procedimentos é o que realmente importa. Limitando sua visão apenas ao sentido econômico de seu trabalho, o referido cientista vangloria-se de que o lucro anual de um único medicamento, o Captopril, fruto de seu trabalho com genes, equivale a todo o lucro da pecuária amazônica no mesmo período, e que somente será atingido um desenvolvimento sustentável por meio de produtos de alto valor agregado, como o perfume sintético as orquídeas. Sei não. Dinheiro não tem cheiro, diz a máxima latina. Mas sobretudo no terreno da medicina e da produção de medicamentos, o elogio do lucro, em múltiplos sentidos, não tem graça alguma.
*******SP 17-04-2017
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