Como no princípio,
Uma explosão gerou a ordem:
Salve-se quem puder.
Quem poderia?
Ocupados como estávamos
Cansados de fazer tão nada,
Mas tanto, mas tanto, quem poderia?
Não fora a explosão, quem notaria
Nossa cotidiana clausura?
Que fazíamos nós naqueles mares frios?
Que buscávamos?
Como na vida, apenas lá estávamos
No ventre de escura baleia,
Feia, rígida, mórbida, sinistra.
Sem a alegoria hígida de Jonas
Singrávamos mares sombrios
Em busca, meu Deus, de quê?
De repente, o ruído e a luz,
Tudo muito rápido, breve como o átimo
Entre a chegada e a partida, breve como a vida.
A chegada, ah, a chegada!
A luz também se fez na chegada,
Não foi tão diferente.
Também foi breve o brilho e a explosão
Na transição entre os escuros mares
De onde viemos e onde mergulhamos.
No fundo, a luz foi como na partida
Que nos levou à vida, ao pé na estrada
E ao fundo, a esta símile chegada
Antes, depois e no meio, houve densa escuridão…
Agora, pelo menos não estamos sós,
Estamos cercados de amigos
Pouco mais de cem, quem precisa de mais?
Alguns já não falam mais conosco,
Têm os olhos fixos, baços, duros,
Ou mansamente fechados.
Coniventes com tantos desequilíbrios,
Não partilham mais suas esperanças.
Alguns estão mortos, e daí?
Fora desta imensa baleia,
Lá em cima, à luz do sol e da lua,
Também há muitos mortos,
Caminhando celeremente,
Como clones de tantos falsos ídolos.
Lá fora, lá em cima, lutam contra o tempo,
Correm por nós, choram por nós,
Contam as horam, fazem contas,
Mas o tempo todo nós fazemos contas,
Corremos sempre, os relógios nos espreitam,
Regulando o ócio, faturando o tempo…
O que mudou com a explosão?
Sim, estamos presos, acuados, limitados,
O ar nos falta, morremos lentamente.
Mas é assim mesmo, morremos lentamente,
Não gostamos da traição da morte súbita.
E tantas vezes nos sentimos acuados,
Limitados, presos, sufocados,
Tantas vezes, tantas vezes, por que o espanto agora?
Lá fora, choram por nós,
Emocionados, todos querem ajudar, sofrem conosco.
Não tanto por nós (afinal quem somos nós?)
Quanto pela própria sensação de impotência
Ao se reconhecerem, todos, como marujos
Sem mapas, sem rumo, sem saída
Sem metas, sem valores, sem projetos,
Vivendo de migalhas de sentidos…
Estamos mortos ou morreremos em uma semana ou menos,
Mas que diferença faz uma semana ou um bilhão de anos
Quando não se tem por que viver?
Quando tudo está determinado, tecido combinado,
Quando nos faltam o consolo da nesga, da mínima fresta?
Ainda que a luz nos cegue ou sejamos inundados
Há algo na explosão que não nos desagrada completamente.
Agora, todos querem nos salvar,
Mas quem nos salvará a todos,
A cada um de nós, dentro ou fora da baleia?
Torcemos por soluções vindas de fora,
Mas não há salvação vinda de fora.
Ainda que oremos a cada minuto, todo o tempo,
Ainda que obremos sem cansaço, todo o espaço,
Não há salvação vinda de fora.
Estamos todos no mesmo barco: não há dentro, nem fora.
Agora, aqui no fundo, descobrimos o que sempre soubemos.
Todos os caminhos nos conduzem a nós mesmos,
O fim é sempre o mesmo,
O tempo e o espaço são meros pormenores.
Passado o espanto, encomendadas nossas almas,
Tudo voltará à calma, descansaremos em paz.
Talvez encontrem culpados, é sempre de bom alvitre.
Mas não existem culpados, por mais que os encontrem,
Não existem culpados fora de cada um de nós, existimos nós,
E, sintomaticamente, existimos é presente e é passado…
Estamos todos juntos, não chorem, pois, por nós.
Olhem bem para si, orem por si, orem por nós,
Mas sem nutrir a tristeza.
Uma pequena baleia se for, fomos com ela
Como bactérias de uma grande bactéria.
No ventre da baleia, somos todos Jonas,
No marasmo do mundo, estamos todos juntos.
No fundo do mar e de nossos corações,
A viva explosão espanta a morte!
Que viva a explosão, que viva a vida!
********NILSON 20-8-2000
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