No Discurso do Método, é fina a ironia cartesiana: todos se julgam tão bem servidos de bom senso que ninguém acha que precisa de mais do que tem. O inverso parece ocorrer com a ideia de justiça: por mais que as contingências tenham sido generosas, a menor circunstância negativa conduz à expressão: Não é justo!
De fato, se meu time preferido ganhou quase todas as partidas, perdendo apenas a final, não é justo; se vivi com plena saúde até os 70 anos, e, de repente, certo mal me acometeu, não é justo… Mas, o que é justo?
É justo quando uma moeda “honesta”, lançada 100 vezes, mostra em sua face superior 80 caras? Não me consola saber que, em um número infinito de lançamentos, as chances de cara e de coroa sejam iguais: em pequenos números, a aparência é de injustiça.
A verdade é que uma expectativa de justiça somente poderia ocorrer após o fim da jornada, no infinito, ou após o fim da vida. Compreende-se, então, o registro de Rimbaud:
“A visão plena da justiça é um prazer somente de Deus.”
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