A vida é como uma narrativa em permanente construção. Ela se realiza nos projetos que delineamos no presente, mas se alimenta continuamente do passado e do futuro. Alertados de que o modo de ser do ser humano é o pretender ser, é o projetar, é a futurição, saudamos Marías e Ortega e semeamos no presente as sementes do futuro. Conscientes de que o presente não se sustenta sem a memória, sem a história, voltamo-nos constantemente para trás, como condição de possibilidade de um projeto consistente: o presente é o futuro do passado.
No passado, no entanto, nem tudo nos agrada. Em auto-tela de retro-projeção, buscamos redesenhá-lo. Em nome do encantamento do presente, supervalorizamos ocorrências circunstanciais e episódicas. Para expressar tal cumplicidade radical entre o vivido e o imaginado, a língua portuguesa dispõe de uma palavra especial: saudade. Uma sincera tolerância com o passado é a mãe de todas as saudades. Pouco importa se a versão é ilusória: a saudade é uma ilusão do passado.
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