Na sociedade do espetáculo, viceja a hipocrisia. Dilemas clássicos como “ser ou não ser” e “ter ou ser” jazem na penumbra de novos embustes: parecer que tem ou parecer que é. A mais completa tradução de tais desvios da pessoalidade é a hipocrisia.
O hipócrita é um fingidor. Finge tão completamente que chega a parecer um ator ou um poeta, para um olhar leniente. Mas nada cria, tudo transforma, com oportunismo e displicência. Trai sistematicamente a todos, sobretudo a si mesmo. Sua consciência é a conveniência.
Os múltiplos papéis que representamos na vida diária exigem, aqui e ali, concessões circunstanciais, em que a busca da harmonia prevalece sobre questões de princípios. Mas tal “traição” tópica não pode tornar-se sistemática. A ironia de Stendhal é emblemática: “Metade de minha vida gastei em gentilezas”.
Traição sistemática a si mesmo, quebra contumaz de promessas tácitas ou explícitas, permanente intenção de parecer o que não é são marcas características da hipocrisia. Vade retro.
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