Os remédios são compostos por drogas, as farmácias também são chamadas de drogarias. Substâncias químicas ontem utilizadas como componentes de remédios são hoje consideradas drogas pesadas. A cocaína é apenas um exemplo. Quando temos dor de cabeça, tomamos um comprimido, que não é feito exatamente de feijão com arroz, para aliviar o sofrimento, mas um atleta que recorre a um remédio para aliviar lesões e permitir a participação em provas corre o risco de ser crucificado em exame anti-doping. Uma prótese para um braço, uma perna ou um olho são bem recebidas, mas um chip a ser instalado no cérebro para regular certos pensamentos seria visto como algo inaceitável por muita gente. Quais os limites entre o recurso sistemático a remédios e o ato de se drogar ser considerado como um vício? Mesmo sutil, tal limite é tão nítido quanto o é a distinção entre meios e fins. A consciência desempenha aí o fundamental papel de juiz. Enquanto mantemos o controle da situação, assumindo plena responsabilidade pelos nossos atos, não deveria ser criticável ou proibido recorrer a remédios/drogas para aliviar ou curar os males que afetam nosso corpo ou nossa nossa mente; quando tais recursos deixam de ser meios e passam a ser fins em si mesmos, quando recorremos a eles pelos seus efeitos transformadores em nossa consciência a situação se transforma completamente. No caso do álcool, beber socialmente é plenamente aceitável; embriagar-se de modo a afetar a consciência e a responsabilidade perante os outros é inconveniente e inaceitável. No caso de certas drogas menos inocentes, as grandes dificuldades com a identificação de limites para o controle consciente de nossos atos, após seu uso, justificam plenamente as restrições, a proibição ou mesmo a criminalização de seus usos. A vida em sociedade tem um preço: não se pode abdicar da consciência. O recurso a drogas como fim em si mesmo, limitado às sensações e os prazeres do corpo, não parece aceitável. A droga somente pode subsistir legitimamente como meio para um fim que transcenda tais sensações e prazeres, que alimente e amplifique a consciência humana e a indispensável responsabilidade de viver junto com os outros.

********10/08/2016

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