Vivemos um tempo de exacerbação da violência em múltiplos contextos: a violência como falência da palavra e a violência por meio da palavra. Sem a confiança na força da palavra, nada pode nos salvar. Com a pragmática transcendental, filósofos associados à Escola de Frankfurt, como Apel ou Habermas, buscam uma fundamentação para a enorme responsabilidade do enunciador. Se a enunciação conduz a terrenos inesperados e/ou indesejáveis, dizer-se que a intenção não era esta, mas outra, não elimina a responsabilidade do enunciador pelas consequências. Mas a força da palavra não pode ser identificada com a eficácia da nomeação. Dar nomes às coisas pode ser interessante, mas não é o fim de uma ação efetiva. Muitas vezes traduzimos uma ideia perfeitamente em palavras mesmo sem sermos capazes de atribuir-lhe um nome. Por outro lado, ações policiais relacionadas com crimes de corrupção no exercício de uma função pública no Brasil atual, como a “Operação Lavajato” e suas rede de atuações, costumam ser apreciadas pela inspiração na escolha de nomes das operações parciais. Um exemplo gritante da insuficiência da mera nomeação para o enfrentamento de problemas efetivos pode ser encontrado no discurso “politicamente correto”. Ao exagerar nos cuidados nas denominações, tal discurso pode derrapar, algumas vezes, na casca de banana de dar mais importância ao atestado de óbito do que ao defunto. É possível que a ciência médica também seja suscetível de tal derrapagem.”Dislexia”, “discalculia”, “disnarrativia”, por exemplo, são apenas nomes, a caminho mas bem longe das soluções correspondentes. Diagnosticar alguém com a síndrome da “discalculia”, por exemplo, não significa resolver o problema das dificuldades com a aprendizagem inicial de matemática. Em artigo no Journal of the American Medical Association (FSP, 6/maio/2017), destaca-se uma nova “doença”, a síndrome de  Tourette, com sintomas associados ao sistema nervoso central e a fatores genéticos, que consistiria na compulsão para falar palavrões. Estudos estatísticos com meninos e meninas revelariam, segundo o artigo, que os meninos são 3 a 5 vezes mais suscetíveis do que as meninas a tal doença. O risco que se corre, a partir de tal “descoberta”, é o de tratar a mera grosseria ou patente incivilidade, em certos casos, de modo respeitoso demais.  Dar nomes às coisas é importante, é preciso uma dose de resistência estética e etimológica a Shakespeare, com seu sempre citado “What´s in a name?… by any other name a rose would smell as sweet…” Iniciativas estapafúrdias de nomeação de pais entusiasmados costumam ser corrigidas pelas “vítimas” a posteriori… No caso da novíssima síndrome de Tourette, no entanto, tudo indica que temos que ir mais devagar. O cultivo da língua como fator de união nacional e da civilidade como uma pequena ética, uma “etiqueta”, fundamental para a viabilização da convivência social e a partilha dos valores culturais não pode ser reduzido apenas à correção de fatores genéticos ou à correção de desvios no sistema nervoso central. Ou um estádio de futebol passará a demandar equipes médicas numerosas, tamanha a quantidades de “doentes”.

*******SP 06-05-2017

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